Bicicleta ganha espaço no palanque político, mas continua esquecida durante a gestão. #cicloolhar

  

Caso de deputado que simulou ir à posse pedalando faz lembrar outras promessas eleitoreiras

Caio Guatelli, CICLOCOSMO - FOLHA DE SÃO PAULO.

Uma cena inusitada chamou a atenção em frente ao Congresso Nacional no dia 1º de fevereiro. O deputado federal eleito Pedro Uczai (PT-SC) chegou pedalando, suado, de calça jeans, tênis e camiseta para a posse de seu quarto mandato na Câmara. 

A situação contrastava com a enorme fila de carros que levava milhares de interessados em celebrar a democracia durante a cerimônia de posse de deputados e senadores. 

Foto: O deputado federal Pedro Uczai posa com sua bicicleta em frente ao Congresso Nacional em 1º de fevereiro - Divulgação

Enquanto outros parlamentares e um incontável número de convidados desembarcavam de seus carrões, Uczai fazia uma selfie montado em sua mountain bike em frente à cúpula da Câmara, convidando a sociedade a "debater a mobilidade humana e urbana, a sustentabilidade e a saúde".

A atitude viralizou nas redes sociais. Texto e fotos produzidos pelo deputado chegaram a ser replicados por vários veículos de imprensa.

Após o sucesso, a Folha procurou o deputado para saber como ele se sentiu durante o trajeto pedalado entre casa e trabalho. "Não tem ciclofaixa, não tem ciclovia, não tem calçada. Tomei fina de ônibus e senti na pele a ausência de estrutura para quem pedala", disse ao comentar o que chamou de "ato simbólico".

O deputado também demonstrou indignação com as estruturas do próprio Congresso Nacional. "Não tinha onde estacionar, não tem bicicletário na Câmara, então entreguei a bicicleta a meu assessor", completou.

O deputado havia pedalado 4,9 Km entre sua residência, na superquadra 302 norte, e a sede do legislativo nacional, sempre escoltado por um carro. Seria um feito inédito e admirável para um parlamentar não fosse a revelação do que aconteceu logo depois da pedalada.

Alegando não haver um vestiário na Câmara, a assessoria de Uczai disse que o deputado voltou de carro até sua casa para trocar o jeans, o tênis e a camiseta, por terno, sapato e gravata. A bicicleta foi no porta-malas, e na garagem da residência ficou.

Uczai então engrossou a caravana motorizada rumo à posse no Congresso Nacional, igual a todos os seus colegas e convidados.

Procurada, a Primeira Secretaria da Câmara informou que, diferente do que disse Uczai, no Congresso existem dois bicicletários, com ao menos 30 vagas, e ao menos um vestiário localizado na garagem do subsolo.

Além de não aproveitar a infraestrutura oferecida pelo Congresso à quem escolhe ir ao trabalho pedalando, o deputado também desperdiçou a chance de usar a ciclovia do Eixo Monumental, que compõe mais da metade do seu trajeto, e que, apesar do desconhecimento do deputado, existe desde 2013 —ou seja, durante quase dez anos Uczai passou de carro ao lado da estrutura e nunca a notou (ele é deputado federal desde 2010).

Foto de 2013 --época que Pedro Uczai cumpria seu primeiro mandato como deputado federal-mostra operários construindo a Ciclovia do Eixo Monumental de Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

A assessoria do deputado, em resposta a esta reportagem, disse que Uczai infelizmente não conhecia a existência da ciclovia, do bicicletário e do vestiário, mas que isso não diminui as intenções do parlamentar em defender as pautas propostas no "ato simbólico".

Para a cicloativista Renata Falzoni, que é vereadora suplente pelo PSB na cidade de São Paulo, "a maior resistência para executar políticas públicas pela bicicleta vem do desconhecimento e despreparo dos gestores públicos. É impossível entender as demandas de nosso setor se o parlamentar só roda de carro"

Comparada aos colegas legisladores, Falzoni é uma excessão no assunto bicicleta. Em sua curta trajetória na Câmara Municipal —até agora atuou por apenas 30 dias, na ausência de Roberto Tripoli (PV) em 2021—, Falzoni dispensou o carro, usou a bicicleta em todos os deslocamentos para o trabalho, e ainda conseguiu apresentar 4 projetos de lei em defesa da mobilidade por bicicleta. 

Foto: A vereadora suplente Renata Falzoni, de 68 anos, usou a bicicleta para se deslocar a seus compromissos nos 30 dias que legislou pela Câmara Municipal de São Paulo - CAIO GUATELLI

Outro vereador de São Paulo, André Santos (Republicanos) se promoveu ao lado de ciclistas e empresários do ramo no evento Mobicicleta, realizado com seu apoio em 2021. Na ocasião ouviu demandas de cicloativistas e homenageou figuras do meio, mas até hoje soma apenas três projetos apresentados em favor do ciclismo durante seus dois mandatos como vereador. O único aprovado é a "Frente Parlamentar em Defesa da Mobilidade Cicloviária e da Bicicleta", mas, segundo a assessoria do vereador, "ainda não houve audiência dessa comissão". A assessoria afirma ainda que, para este ano, o vereador "espera poder representar mais e melhor a bike".

Em 3 de junho de 2022 foi a vez do prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) subir na bicicleta para fazer propaganda de sua gestão. Apesar de ter promovido o lançamento de bicicletas compartilhadas naquela ocasião, sua gestão acumula uma série de críticas no âmbito da mobilidade sustentável. Além de ter diminuído a meta de estruturas cicloviárias de 1.350 Km para 1.000 Km até 2024, o prefeito tem deixado a estrutura A vereadora suplente Renata Falzoni, de 68 anos, usou a bicicleta para se deslocar a seus compromissos nos 30 dias que legislou pela Câmara Municipal de São Paulo, o prefeito tem deixado a estrutura existente se deteriorar mesmo nos bairros mais ricos, como é o caso das ciclofaixas das ruas Tutóia e Rafael de Barros, que estão esburacadas, quase sem pintura e perderam os tachões de proteção. 

Foto: O prefeito Ricardo Nunes com bicicleta elétrica na praça Franklin Roosevelt - Fábio Pescarini/Folhapress

Procurada, a Prefeitura de São Paulo informou que "as ciclofaixas das ruas Rafael de Barros e Tutóia estão incluídas na licitação da manutenção de toda a malha cicloviária que receberá nova capa asfáltica e sinalização", e "atualmente a malha cicloviária da cidade possui aproximadamente 700km de extensão". 

Foto: Ciclistas usa a ciclofaixa da Rua Rafael de Barros, no bairro Paraiso, falta de pintura e de proteções são as maiores reclamações. 

JEQUIÉ - BAHIA

Em Jequié, interior da Bahia, o prefeito Zé Cocá (PP) publicou um vídeo no começo de sua gestão, em 17 de março de 2021, no qual aparece de bicicleta e capacete dizendo "Ciclovia já! Em breve teremos boas notícias". Três meses depois, Cocá apareceu novamente nas redes para anunciar a entrega da obra: "A primeira de muitas ciclovias que virão", disse.

Segundo o cicloativista jequiense Dado Galvão, o prefeito Zé Cocá não tem atendido os apelos da população. "Em Jequié, grande parte da população não tem carro e depende da bicicleta. O prefeito prometeu ciclovia, publicou projeto de ciclovia no Diário Oficial e entregou só 6 Km de ciclofaixa. É muito pouco para atender tantas demandas em dois anos de governo. Também faltam bicicletário, sinalização e educação de trânsito, mas o prefeito ignora nossos pedidos".

Questionado, Zé Coca disse que desde o início o projeto previa uma ciclofaixa, e que o termo ciclovia (que prevê maior proteção ao ciclista) descrito na publicação do Diário Oficial foi um erro. Quanto às outras demandas, Cocá foi claro: "Teremos ciclovia e ciclofaixa em todos os bairros e todas as principais avenidas de Jequié. O nosso projeto e intenção é nesse sentido", e completou: "Temos condição e vamos fazer até o término do mandato Jequié virar referência nessa área". 

Foto: Ao lado de bicicleta e todo paramentado, o prefeito de Jequié (BA), Zé Coca (PP) fala de ciclovias e promete 'novidades' - Instagram de Zé Cocá

Uma das maiores promessas que até agora não saíram do papel é a "Ciclovia dos Bandeirantes”. A ideia foi lançada em 10 de março de 2022 por João Doria, antes de renunciar ao governo de São Paulo para tentar se candidatar à presidência da República.

Naquele dia, Doria se cercou de ciclistas para anunciar o início do projeto: "Vim aqui para iniciar a maior ciclovia do país, com 57 Km, a Ciclovia dos Bandeirantes", e concluiu: "Com investimento de R$ 222 milhões, a obra estará pronta até setembro do ano que vem [2023]".

Segundo a Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), "o projeto de implantação de ciclovia na Rodovia dos Bandeirantes segue em avaliação de viabilidade pela concessionária AutoBan. Por meio da Artesp, a atual gestão dará continuidade aos trâmites para desenvolvimento dos estudos e cobrará o encaminhamento da proposta para análise pelo corpo técnico desta Agência Reguladora".

 
Foto: Ilustração do projeto 'Ciclovia dos Bandeirantes', anunciada por Doria em março de 2022, divulgação.

Veja aqui no formato original, (disponível somente para assinantes da Folha de São Paulo). 

Movimento @cicloolhar março/2023