Jesus ciclista, cotidianamente atropelado e morto. #cicloolhar


Jesus parece ser o sobrenome de uma mulher que saiu para andar de bicicleta em um domingo pela manhã, ela foi esmagada por um caminhão caçamba e morreu instantaneamente quando pedalava.

Regressando do trabalho, Jesus, que tinha 54 anos de idade, foi atropelado e morto quando pedalava. Motorista e veículo não foram identificados.

Um homem que supostamente teria o nome de Jesus tatuado no braço e conduzia uma bicicleta de cor azul, foi atingido frontalmente por um automóvel quando pedalava, ele morreu no local, o motorista não possuía licença para dirigir.

Conhecido entre os seus familiares e amigos por contar histórias sobre Jesus, um homem de 63 anos, muito religioso e de boa saúde, foi atropelado quando andava de bike, levado ainda com vida para o hospital, pedalou pela vida, sobreviveu a duas cirurgias na coluna e ferimentos na cabeça, contraiu infecção hospitalar e morreu.

Os relatos de atropelamentos e mortes de ciclistas, infelizmente, são verdadeiros. Aconteceram durante o ano de 2023, em Jequié, município de mais de 150 mil habitantes, no interior da Bahia, a única estrutura ciclística da cidade são 6 km de ciclofaixa. Jequié é considerada a cidade mais violenta do Brasil, segundo o 17° Anuário Brasileiro da Segurança Pública.
 
Bicicletas, cruzes e plaquinhas artesanais, em alusão aos ciclistas atropelados e mortos em Jequié (BA). Movimento @cicloolhar
 
Existem mais bicicletas do que carros no Brasil. São cerca de 50 milhões de bikes contra 41 milhões de automóveis, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Os Dados mais recentes do (DataSUS), ferramenta do Ministério da Saúde, sinalizam que em uma década (2012-2022), o número de internações de ciclistas envolvidos em acidentes (cresceu 71%).

O estado de São Paulo registrou quase uma morte de ciclista por dia (nos sete primeiros meses de 2023) segundo dados do Sistema de Informações de Acidentes de Trânsito. Ao todo, foram 201 óbitos no período.

Cada cidade tem uma realidade diferenciada. No Norte e no Nordeste, a bicicleta é vista como transporte de pobre, de gente mal-sucedida, lamentavelmente, continua sendo assim. É preciso implementar diálogo, pesquisa e debate sobre esse assunto.

Nas regiões sudeste, sul e centro-oeste, existem um pouco mais de estruturas ciclísticas, mais cicloativismo e pressão social por parte dos coletivos, quando comparamos com a realidade do norte e nordeste, contudo, os efeitos de um trânsito violento e crucificador existem de uma forma muito concreta, independente da região do Brasil, na imagem abaixo um relato (17/12) para reflexão, partilhado pela ciclista Eva Kseniuk, de Florianópolis, em Santa Catarina. 
 
Disponível em @cicloolhar
 
Ações básicas pró-ciclismo, como colocação de placas, criação de legislação local, blitz ciclo-educativas, bicicleta como disciplina nas escolas das redes públicas municipal e estadual, podem prevenir e salvar vidas, até chegarmos a estruturas maiores, que exigem maiores recursos e planejamento, como ciclofaixas e ciclovias. Falta boa vontade política e pressão social por parte dos grupos de ciclismo, em regiões mais pobres e cidades de médio porte, a exemplo de Jequié.

A Estratégia Nacional de Promoção da Mobilidade por Bicicleta, coordenada pela União dos Ciclistas do Brasil (UCB) e outras organizações pró-ciclismo, gestores municipais e empresários do setor, apontam os principais gargalos para uso da bicicleta no Brasil. “Percepção de insegurança; infraestrutura inadequada; trânsito violento; baixo engajamento do poder público para incentivar o uso das bicicletas; dificuldade de acesso; e planejamento urbano que não favorece o chamado transporte ativo, como bicicletas e caminhadas”.

Segundo Yuriê Baptista da (UCB) em entrevista para o Correio Braziliense, “uma das ações necessárias para alterar o cenário é a gestão federal exigir dos demais entes a implementação de estruturas aos ciclistas durante o repasse de verbas. Falta definir a aplicação dos recursos destinados à legislação, Lei nº 13.724, de 2018, que estabelece o Programa Bicicleta Brasil (PBB)”.

Recentemente (23/11) o presidente Lula, sancionou a (Lei n° 14.729) o texto amplia a participação popular nos processos de implantação de infraestruturas para circulação de bicicletas e exige planejamento dos municípios para ampliar o perímetro urbano, além de incentivar o ciclismo nas cidades.

Em 2024, vivenciaremos o processo das eleições municipais, ciclistas/cidadãos/ãs, elegerão prefeitos/as e vereadores/as, caberá a nós exercendo e pedalando por cidadania e, especialmente aos coletivos de ciclistas espalhados pelo Brasil, colocar o ciclismo sustentável como um dos pontos fundamentais para decidir o voto. Como faz e nos ensina Jesus ciclista, “pensar globalmente e agir localmente”.
 
Plaquinhas reflexivas do Movimento @cicloolhar
 
Jesus nos seus primeiros giros pela sobrevivência humana, ainda criança, levado pela sua mãe Maria, em um jegue, conduzido por José, fugiam, segundo os relatos bíblicos, de uma ação violenta promovida pelo rei Herodes. Na mobilidade humana da família Jesus, aprendemos hoje, na nossa realidade local, que é possível resistir pelo direito de viver, celebrar a vida como ciclistas e principalmente como cidadãos/ãs, mesmo (sendo nós cada vez mais tão frágeis) no nosso direito de ir e vir, sujeitos às mais variadas formas de violências.

As luzes piscam e enfeitam vitrines e cidades para anunciar o natal, são as mesmas que são acesas em muitas bicicletas, que possui kit de iluminação, porém, de luminância invisível. São luzes de faróis e lanternas que cada vez mais iluminam e alertam cidades pela segurança da mobilidade humana e sustentabilidade da nossa Casa Comum. Verdadeiras e necessárias luzes de natal!


Dado Galvão é ciclista e documentarista, idealizador do Movimento @cicloolhar 
 
dezembro/2023