Jequié (BA): violências, ciclismo e placas de papelão.

                       
Bicicleta de cor azul, fixada com corrente, quarta-feira 13, Av. César Borges em Jequié (BA) – Foto: Movimento @cicloolhar

Violências.

A cidade baiana de Jequié, que possui mais de 150 mil habitantes, conforme o último censo do IBGE. É considerada a mais violenta do Brasil, segundo o levantamento do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Há mais de 350 km de Salvador, capital dos baianos, no município de Jequié, são registrados 88,8 homicídios por 100 mil habitantes. A Bahia é também o estado mais violento.

Ciclistas atropelados e mortos.

Este ano (2023) três ciclistas foram atropelados e mortos quando andavam de bicicleta, no mês de Janeiro, (Ilma Cristina de 54 anos) e (Wilson Rios de 64 anos) em 17 de julho, um ciclista que pedalava em uma bicicleta de cor azul, foi atropelado e também morreu. Na nota divulgada pela Polícia Militar e reproduzida pela imprensa local o ciclista foi identificado como "uma vítima que conduzia uma bicicleta cor azul”.

Em novembro de 2015, o Movimento @cicloolhar já alertava sobre mortes violentas em Jequié, com uma ciclopeformance fotográfica, realizada no cemitério do Curral Novo – Foto: Dado Galvão, Movimento @cicloolhar (VEJA MAIS FOTOS AQUI)

Plaquinhas de papelão, cidadania pró-ciclismo.

Uma iniciativa cidadã e necessária, que começou no anonimato, em setembro de 2020, tempo de pandemia, realizada pela cicloativista Jilmara Gonçalves “Jil bike”, um grito anônimo em forma de placas artesanais de papelão, fixadas em um poste de iluminação e no suporte de logradouros, exigindo políticas públicas para o ciclismo.

A promessa de ciclovia virou ciclofaixa.

O Movimento @cicloolhar realizou uma vaquinha em janeiro de 2021, e colocou na Avenida César Borges, um outdoor, exigindo do executivo e legislativo local, políticas públicas em defesa da bicicleta.

O executivo municipal logo respondeu, prometendo (sem dialogar com os ciclistas e coletivos) a construção de 6 km de “ciclovia”, na Avenida César Borges, que é bastante utilizada pelos munícipes para práticas esportivas. Doravante, mesmo com a publicação do aviso de licitação no diário oficial do município, em maio deste ano, promessa de “ciclovia”, virou promessa de 6 km de “ciclofaixa”, sem nenhum comunicado oficial da administração municipal sobre o porquê da assustadora desconformidade, alardeada pelo prefeito em suas redes sociais no Dia Nacional do Ciclismo.

 
Licitação foi publicada no Diário Oficial de Jequié em maio de 2021 – Foto: Reprodução/Prefeitura de Jequié

Sem respostas do executivo e legislativo local.

Muitas ruas de Jequié, estão sendo asfaltadas, praças sendo construídas ou reformadas (sem bicicletários) a gestão municipal e muitos(as) celebram como progresso, além da colocação de uma nova, “moderna” sinalização de trânsito, que ainda infelizmente não contempla/enxerga o ciclista.

O trânsito local é municipalizado, a zona azul foi implantada, o município arrecada um valor significativo em multas de trânsito e outros impostos relacionados, mesmo com muitos ciclistas fazendo parte do trânsito cotidiano de Jequié, nada até agora, por parte do executivo ou legislativo para promover políticas públicas pró-ciclismo.

São 19 vereadores/as na Câmara Municipal de Jequié, é raro debates, proposições concretas, legislação pró-ciclismo.

Silêncio profundo dos grupos de ciclismo local.

Mesmo diante da violência que vitimou este ano três ciclistas e diante dos relatos de situações de perigo no trânsito, os grupos de ciclismo local, não se mobilizam para exigir do prefeito e vereadores, ações concretas.

É muito comum ouvir de lideranças dos grupos que a bicicleta é só para praticar “esporte, lazer, bike terapia, não é uma questão de política”. Ressaltamos que os coletivos são formados por pessoas de todos os estratos sociais e com influência na sociedade local.

Grupos de ciclismo que não exercem cidadania estão completamente omissos, anestesiados diante da realidade do ciclismo local, desconhecem o papel histórico da bicicleta e do ciclismo, estão perdidos na trilha com pneu estourado. Podemos denominar de Ciclismo Robocop ou ciclistas de plástico.

Ciclistas precisam enxergar ciclistas. É necessário que os grupos de ciclismo local exerçam papel coletivo de cidadania e pressão social, exigindo políticas públicas, leis, incentivo para os usuários de bicicletas, com ou sem uniforme, com ou sem capacete, da barra circular ao carbono, da fábrica ao cicloturismo, do operário ao doutor. A magrela está em todos os lares e desconhece estratos sociais.

Bicicleta de cor azul.

Em memória dos três ciclistas atropelados e mortos em Jequié, foi fixada com corrente, no suporte de uma placa de sinalização, na Avenida César Borges, uma bicicleta de cor azul, com três cruzes e placas de papelão exigindo políticas públicas pró-ciclismo, ação realizada pelo documentarista e ciclista Dado Galvão (Movimento @cicloolhar) e pela cicloativista Jilmara Gonçalves, na noite de 13 de setembro.

A cor azul foi escolhida em alusão ao “ciclista da bike azul”, atropelado e morto, na Avenida Jequitibá, Baixa do Bonfim, próximo ao Parque de Exposições de Jequié, em 17 de julho.

Cegueira, insensibilidade, falta de diálogo, velhas políticas que nascem nos gabinetes fechados, de cima para baixo, culminância que ignora uma massa cada vez maior de seres humanos usuários de bicicletas.

Três cruzes em memória e para reflexão com os nomes dos ciclistas atropelados e mortos em Jequié, este ano  – Foto: Movimento @cicloolhar

O Movimento ciclo-olhar propõe.

Colocação de placas pró-ciclismo nas rotas mais utilizadas pelos ciclistas.

Criação do bicicletário público central, com legislação para que a Guarda Municipal promova a segurança das bicicletas no bicicletário.

Legislação local pró-ciclismo, audiências públicas para implementação de ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas.

Atividades pró-ciclismo nas escolas municipais, campanhas ciclo-educativas de trânsito, estimular doações de capacetes novos e usados.

Criação da bolsa ciclista para ciclistas que participam de competições esportivas e culturais de âmbito estadual, nacional e internacional.

Por força de lei, criação do dia municipal para realização do cicloturismo, com garantia de recursos permanentes.

Sabemos que a realidade ciclística de Jequié se repete na maioria das cidades brasileiras do mesmo porte da cidade baiana, e nós cidadãos(ãs) que andamos de bicicleta ou não, devemos ser coadjuvantes, exercendo cidadania nas mais variadas causas, para cobrar, exigir mudanças.

A violência acontece das mais variadas formas, de forma velada, silenciosa, inclusive na omissão de políticas públicas para o ciclismo e, qualquer um de nós podemos ser vítimas desta ameaça constante, seja no trânsito ou no nosso giro cotidiano pelo pão nosso de cada dia. 

Abaixo, o Movimento Ciclo-olhar disponibiliza um vídeo minuto para reflexão, elaborado pelo documentarista e idealizador do movimento, Dado Galvão. A ideia é estimular o compartilhamento do vídeo nas redes sociais para promover um sentimento de empatia e cidadania pró-ciclismo.

Dado Galvão é ciclista e documentarista, idealizador do Movimento @cicloolhar

setembro/2023